Se eu pudesse personificar meu último mês em um sabor, com certeza seria agridoce.
Uma comida agridoce possui em si elementos de sabor conflitante, mas de alguma maneira se acomoda ao paladar. Esse acomodar é sempre diferente pra mim, me gera uma estranheza curiosa, me desconforta antes de assentar e harmonizar. Acredito que eu goste especialmente deste sabor por ele chamar a atenção pro presente, por me tirar do automático, pela necessidade pungente de pausa que estabelece em mim. É no mínimo interessante pensar a composição deste gosto, uma mescla de um amargor inegável com um toque doce de personalidade que realça o conflito ao mesmo tempo que acalenta.
O sabor agridoce é marcante, tá longe de passar despercebido.
Recentemente, eu perdi uma pessoa muito cara pra mim. Deliberadamente fiquei presa num looping agridoce, oscilando entre o amargor do luto e a doçura de ter podido conhecer e conviver com uma pessoa tão incrível, a quem eu apelidei de “Dudu-Limão-Com-Mel”. Uma grande ironia que esse apelido sintetize meu estado de espírito. Tenho me agarrado à doçura que experimentei para ignorar a acidez insistente da ausência de alguém que tanto preencheu espaço e, por isso mesmo, faz a falta ser enorme e doída. Ficou pra trás uma série de planos inacabados e viagens que nunca faremos. Ficou plantado em mim uma porção de momentos felizes e uma grande alegria de nunca ter adiado as palavras. Sempre dissemos o que precisávamos, chorávamos sem cerimônia, expressamos tudo, como que prevendo finitude.
Tem uma parte que realça excessivamente o caráter agridoce da vida: a continuidade. É constrangedor admitir que, sim, estou seguindo em frente. De repente qualquer migalha de felicidade gera uma grande culpa, a culpa de continuar. Como é possível vivenciar coisas maravilhosas em um âmbito enquanto se está em frangalhos em outro? É o sabor da contradição do ser humano. É um gosto que ainda vou levar um tempo para acomodar na boca.
Enquanto esse misto de sentimentos não assentam, busco outros artifícios para me tranquilizar e confortar, e o faço através da comida, retomando o prazer do agridoce, sem as metáforas que pesam o gosto, fico simples e puramente pautada no decorrer do presente, aquele pausado pelo sabor que me suscita a urgência de estar no agora. Segue receita dum sanduíche que acompanhou muitas das intermináveis conversas da vida toda que eu tive com Dudu-Limão-Com-Mel.
Sanduíche
Ingredientes
Pão Cacetinho
Carne Moída
Tomate Cereja
Rúcula
Azeite de Oliva
Melado de Cana
Maionese
Ketchup
Pimenta
Dois ótimos anfitriões
Modo de Preparo
Tenha ao seu lado ótimos anfitriões, a seguir eles vão dispor tudo que tiverem para que você se sinta em casa. Entre as conversas simples e aconchegantes, pegue o pão e abra um espaço para inserir os ingredientes, acrescente a carne moída que sobrou do almoço, regue com melado, adicione rúcula, tomate, pimenta e tempere com azeite de oliva. Sei que parece que não combina, mas confie no processo. Finalize com os condimentos de sua preferência.
Eu sou a Raici, autora de mim, persistente e teimosa nas horas vagas, cantante, rebolativa e tagarela. Cozinho palavras e afetos. E busco o extraordinário ao meu modo. Sinta-se à vontade, e, caso queira, passe esse texto adiante. Se inscreva pra receber meus escritos sempre que eles decidirem existir. Bon Appetit!
Sem palavras... 🥹💖
🍋🍯👼♥️