Você já pensou nos elementos que compõem um gostar ou não de um alimento? Você já considerou que as pessoas que nos rodeiam ajudam a construir o nosso gosto alimentar? É meio óbvio agora que falei em voz alta, mas eu nunca tinha percebido tão claramente.
Quase sempre que faço comida para várias pessoas, peso a mão no sal porque sei que meu ponto de sal chega a ser insosso para outros, volta e meia sou questionada sobre isso, e prontamente respondo: Fui criada com velhos. Tia Cândida, pessoa a qual eu vivia colada na barra da saia, tinha inúmeros problemas de saúde, inclusive pressão alta, sendo assim usávamos o sal com moderação, me habituei e me afeiçoei a comer assim. Inconscientemente, comer uma comida bem temperada mas com pouco sal me leva pra esse lugar de conforto que eu tinha com ela.
Toda vez que eu ficava doente, tia Candida fazia mingau de cachorro, pirão de leite, me deixava comer biscoito de côco, o famigerado ‘poca olho’. Então, embora eu goste muito de comer pelo gosto, quase sempre elejo comer pelo afeto. Certamente, pirão de leite não é a melhor comida do mundo, mas posso afirmar com 300% de certeza que é um dos meus alimentos prediletos, só pela aura que carrega. Eu gosto de comida pessoalizada que vocẽ come e sente as notas do amor derreter na língua. E isso você só alcança quando cozinha pra além de matar a fome.
Hoje estou gripada. Imediatamente senti falta do pirão de leite. Na verdade, senti falta de tia Candida e da sua forma de demonstrar afeto que sempre passava pela comida. Ela é a grande responsável por eu nunca ver uma comida como só um alimento que tem função de não me deixar morrer, ela me ensinou que a gente come pra preencher a vida.
Segue receita:
P.S. Não fica tão bom quanto o dela.
Pirão de Leite
Ingredientes
500 ml de Leite
4 colheres de Farinha de Mandioca
Afeto sem medida
Sal a gosto
Modo de Preparo
Vista-se de afeto, misture o sal, a farinha de mandioca e o leite ainda com o fogão desligado. Depois de incorporar bem, leve ao fogo brando, mexendo com paciência até que o pirão atinja a consistência desejada. Desfrute, de preferência num colo que te dê conforto.
Eu sou a Raici, autora de mim, persistente e teimosa nas horas vagas, cantante, rebolativa e tagarela. Cozinho palavras e afetos. E busco o extraordinário ao meu modo. Sinta-se à vontade, e, caso queira, passe esse texto adiante. Se inscreva pra receber meus escritos sempre que eles decidirem existir. Bon Appetit!